É conhecida a queda de braços ente os contribuintes e o Fisco Federal que defende a tese de que há incidência da contribuição previdenciária sobre os valores percebidos pelo empregados a título de PLR – Participação nos Lucros ou Resultados – sempre que o contribuinte deixar de estabelecer critérios claros para atingimento das metas pelos trabalhadores na forma do § 1º, do art. 2º da lei 10.101 de 19-12-00, que dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa.
Em recentes julgados a 1ª turma, da 1ª Câmara, da 2ª Seção do CARF desonerou duas empresas – CBA e Porto Seguro – do pagamento da contribuição previdenciária, porque essas empresas, nos casos versados, apresentaram regras claras e objetivas para a participação nos lucros e resultados de seus empregados no acordo celebrado com os trabalhadores (Proc. 19515.720948/2019 e Proc. 16327.720533/2022). Nos demais casos as decisões têm sido contrárias aos contgribuintes.
Como se verifica, essas decisões retrorreferidas passaram ao largo do preceito constitucional do inciso XI, do art. 7º da CF que desvincula a PLR da remuneração devida ao empregado e que deveria ter sido apreciado em primeiro lugar. Vejamos:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[…]
XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;”
Qual a natureza jurídica dessa norma?
A primeira parte do inciso XI, do art. 7º da CF tem nítida natureza de imunidade objetiva. Por expressa determinação constitucional foi retirado da atividade legislativa da União o poder de instituir a contribuição previdenciária incidindo sobre a participação nos lucros ou resultados percebidos pelos empregados. Houve, pois uma limitação constitucional ao poder de tributar a PLR.
E uma dessas limitações é exatamente a imunidade tributária. Não importa a denominação ‘imunidade’, ‘isenção’, ‘não-incidência’, ou quaisquer outros vocábulos ou termos utilizados na Constituição Federal. Basta simples exame dos textos constitucionais para verificar que o legislador constituinte utilizou-se de diferentes expressões, ao estatuir, dentre outras, as seguintes imunidades: a imunidade de custas judiciais na ação popular (art. 5º, LXXVIII da CF); a imunidade de taxas, aos reconhecidamente pobres, para expedição de registro civil de nascimento e de óbito (art. 5º, LXXVI, a e b da CF); imunidade recíproca (art. 150, VI, a da CF); imunidade genérica dos partidos políticos, das instituições de educação e de assistência social, dos sindicatos, dos templos e do livro (art. 150, VI, b e c da CF); imunidade do IPI (art. 153, § 3º, III da CF); imunidade do ITR sobre pequenas glebas rurais (art. 153, § 4º da CF); imunidade das contribuições sociais (art. 195, § 7º da CF) etc.
O importante é que as imunidades externam vedações absolutas ao poder de tributar certas pessoas (subjetivas) ou certos bens (objetivas), ou ainda, uns e outros. Por isso, elas tornam inconstitucionais as leis ordinárias que as afrontam.
No caso sob exame, o legislador constituinte, objetivando incentivar as empresas a repartirem seus lucros ou resultados com os seus empregados, promovendo a “socialização dos lucros” como meio de alcançar o justo equilíbrio entre o capital e o trabalho, prescreveu no inciso XI, do art. 7º da Carta Política que a PLR fica desvinculada da remuneração. Em outras palavras, retirou do campo do exercício da competência impositiva prevista no art. 195, I, a da CF tudo o que for pago pela empresa a título de participação nos lucros ou resultados. Forçoso é concluir que o inciso I do art. 22 da lei 8.212/91, que define a contribuição a cargo da empresa em ‘vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados…’, há de ser interpretado com a exclusão das parcelas correspondentes à participação nos lucros ou resultados. A PLR, uma vez imunizada pela Constituição, jamais poderá integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária, sem gravíssima ofensa ao texto constitucional.
A primeira parte do inciso XI, do art. 7º da CF, concernente a PLR desvinculada da remuneração, é autoaplicável, independendo de qualquer regulamentação em nível infraconstitucional, segundo a doutrina majoritária e, também, da jurisprudência dos tribunais.
Os requisitos do art. 2º e do § 1º da lei 10.101/00 harmonizam-se com o preceito constitucional à medida que se limitou a explicitar o conteúdo deontológico do texto constitucional objeto de regulamentação, deixando grande margem de liberdade de negociação entre empregados e empregadores, quer diretamente, quer por meio dos respectivos sindicatos.
Por derradeiro, considerando que a norma do inciso XI, do art. 7º da CF espelha uma imunidade objetiva autoaplicável, despiciendo é o exame da legislação infraconstitucional, notadamente, do § 1º, do art. 2º da lei 10.101/00.
Em qualquer hipótese, comprovado que o pagamento correspondeu à participação do empregado nos lucros ou resultados, impõe-se a exclusão desse valor pago da base de cálculo de quaisquer encargos trabalhistas e previdenciários, porque desvinculada essa participação da remuneração nos precisos termos do inciso XI, do art. 7º da CF.
É oportuno lembrar que desde início a jurisprudência do STJ e dos TRFs fixaram posição pela autoaplicabilidade da primeira parte do inciso XI, do art. 7º da CF:
“RECURSO ESPECIAL. ALÍNEA ‘A’. TRIBUTÁRIO. SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO. VERBAS PERCEBIDAS PELOS EMPREGADOS A TÍTULO DE PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS. NÃO INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ARTIGO 7°, INCISO XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA DE EFICÁCIA CONTIDA, APENAS EM PARTE. ART. 28, § 9°, LETRA ‘J’, DA LEI N. 8.212/91.
RECURSO NÃO CONHECIDO.
A questão merece ser apreciada no âmbito exclusivamente infraconstitucional, notadamente à luz do art. 28, § 9°, letra j’, da lei 8.212/91, com observância do inciso XI do art. 7° da Carta Magna.
Deve prevalecer o entendimento segundo o qual a análise da aplicação de uma lei federal não é incompatível com o exame de questões constitucionais subjacentes ou adjacentes. A competência somente seria deslocada para a Máxima Corte se a v. decisão recorrida tivesse julgado o feito única e exclusivamente sob o prisma constitucional, o que se não verifica na espécie.
A letra fria desse dispositivo da Carta Maior embora não totalmente auto-aplicável ou de eficácia contida, é plenamente eficaz num ponto, mesmo antes da Medida Provisória 794/94, de 29/12/94, ou seja, no que diz respeito à desvinculação entre participação nos lucros e remuneração do trabalhador.
Recurso não conhecido.’ (REsp 283.512, rel. min. Franciulli Netto, DJ de 31-03-2003, p. 190). No mesmo sentido os Respsns. 381.246-RS, DJ de 23-6-2003, p. 312 e 438.712-RS, DJ, de 12-5-2003, p. 284, ambos de relatoria do mesmo min. Franciulli Netto).
“PREVIDENCIÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE PARTICIPAÇÃO DOS EMPREGADOS NOS LUCROS DA EMPRESA. CARÁTER NÃO SALARIAL DA PARTICIPAÇÃO.
O art. 7º inciso XI da CF é auto-aplicável no que se refere à desvinculação da “remuneração” da “participação dos empregados nos lucros da empresa”, porque qualquer regulamentação que viesse a ser feita por lei ordinária não poderia dispor de forma diferente quanto à desvinculação de ambos.
O parágrafo 4º do art. 201 da CF não se aplica à participação nos lucros porque esta, ainda que paga continuamente por vários anos, jamais poderá ser considerada “habitual”, pois, pela sua natureza, estará sempre presente a possibilidade de que em determinado exercício haja prejuízo ao invés de lucro.
Incabível, portanto, a cobrança de contribuição previdenciária sobre a participação nos lucros da empresa.
– Apelação e remessa oficial improvidas.” (TRF 5ª Região, AC nº 114325-SE, Rel. Juiz Castro Meira, DJ de 23-2-2001, p. 468).
“CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. INCIDÊNCIA SOBRE PARCELAS RECEBIDAS PELOS EMPREGADOS A TÍTULO DE PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS DA EMPRESA. INADMISSIBILIDADE.
O art. 7º, XI, da Constituição Federal confirma o direito dos trabalhadores urbanos e rurais em participar nos lucros ou resultados da empresa, desvinculada da remuneração. Nestes limites, a regra sempre foi plenamente eficaz, com aplicabilidade imediata.
Existe a possibilidade desta eficácia ser contida mediante a superveniência de uma lei, nos exatos termos do próprio dispositivo constitucional, mas que de forma alguma poderá dispor sobre vincular a participação nos lucros à remuneração. O que poderá ser feito, tão-somente, é regulamentar-se sobre a extensão desta participação nos lucros, se maior ou menor, mas sempre desvinculada da remuneração.” (TRF-4, AG nº 199804010117973-RS, rel. juiz Tania Terezinha Cardoso Escobar, DJU de 5-4-2000, p. 68).
“EXECUÇÃO FISCAL. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS. ART. 7, XI DA CF. MP 794/94.
– A participação nos lucros ou resultados da empresa, conforme demonstrada nos autos, e prevista no inciso XI do art. 7º da Constituição Federal, não integra a base de cálculo para o salário-de-contribuição, mesmo no período anterior ao advento da MP 794/94, sob pena de se negar vigência ao direito do trabalhador constitucionalmente previsto, e considerando-se ainda, que não há qualquer sustentação jurídica para que se afirme que a distribuição de lucro ao trabalhador, tinha caráter remuneratório, ante a ausência de disposição legal neste sentido.” (REO nº 1999.71.11.002879-0/RS, rel. des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, DJU de 17-12-2003, p. 308).
“PREVIDENCIÁRIO – CONTRIBUIÇÕES: INCIDÊNCIA – PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS (CF ART. 7º, XI).
Concedida a participação nos lucros antes da regulamentação legislativa, sobre tal parcela não incide a contribuição previdenciária.
Natureza jurídica do instituto, derivada da previsão constitucional de abrangência plena.
A participação nos lucros não integra o salário. Revogado, no particular, o teor da súmula 251 do TST.
Recurso e remessa improvidos.” (TRF-1, AC nº 1998.01.00.057692-1/MG, rel. juíza Eliana Calmon, DJ de 23-4-1999, p. 287).
“TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS: NATUREZA JURÍDICA. NÃO-INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. CF/88, ART. 7º, INCISO XI.
A participação nos lucros preconizada na Constituição Federal de 1988, art. 7º, inciso XI, não tem caráter salarial, razão por que não devem incidir contribuições previdenciárias sobre ela.
O inciso XI do art. 7º da Constituição é norma programática de eficácia contida, pendente de regulamentação, mas dotado de normatividade.
Apelação e remessa improvidas.” (TRF-1, AC nº 1998.01.00.061612-3-MG, rel. juiz Candido Ribeiro, DJ de 17-8-2001, p. 32).
Eventual inobservância dos requisitos do § 1º, do art. 2º da lei 10.101 de 19-12-00, cabe à fiscalização do Ministério do Trabalho e da Previdência Social, nunca à Secretaria da Receita Federal.
Do exposto conclui-se que é preciso que o CARF passe analisar a questão à luz do preceito constitucional específico, que prejudica o exame da legislação infraconstitucional para saber se o pagamento a título de PLR cumpriu ou não os requisitos previstos no § 1º, do art. 2º da lei 10.101/00.
Por oportuno, saliente-se que nada impede de o órgão administrativo julgador apreciar a questão constitucional, porque sendo a CLT condiciona a validade das leis ordinárias, inclusive das leis complementares.
Kiyoshi Harada
Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/413910/plr-e-a-contribuicao-previdenciaria