A reforma tributária, implementada pela EC 132/23, levanta importantes reflexões sobre os impactos no planejamento patrimonial e sucessório, por se tratar de planejamento que, não como objetivo principal, mas busca-se minimizar a carga tributária e promover uma gestão mais eficiente do patrimônio familiar. Assim, as novas regras podem implicar em ajustes nas estratégias de sucessão e proteção patrimonial.
O que é um planejamento patrimonial e sucessório?
O planejamento patrimonial e sucessório é um conjunto de estratégias jurídicas voltadas à gestão e proteção do patrimônio de uma família, mantendo-o em linha vertical (ascendentes e descendentes). Por meio dele é possível antecipar a transmissão de bens e direitos do proprietário, ainda em vida, aos seus herdeiros, para fins de evitar conflitos familiares e perdas financeiras após o falecimento do titular deste patrimônio.
As possíveis economias tributárias derivadas do planejamento patrimonial e sucessório não são – e não devem ser – o objetivo principal deste tipo de operação. Todavia, a redução da carga tributária é consequência, quase que automática, do planejamento patrimonial e sucessório. Não deve ser ignorado, portanto, esta valiosa vantagem permitida por este tipo de operação.
Neste sentido, o planejamento patrimonial e sucessório trata-se de estratégias que permitem garantir a continuidade dos negócios, especialmente no contexto de empresas familiares, já que 70% delas, segundo o IBGE, encerram as suas atividades com a morte do seu fundador. Assim, visando a continuidade de seus negócios, este tipo de operação se tornou prática consolidada entre empresários brasileiros de destaque, como foi o caso do saudoso Silvio Santos, falecido neste ano de 2024.
Como o próprio nome diz, o planejamento patrimonial e sucessório é estruturado em duas fases, as quais, em resumo, são:
1ª Fase – Planejamento patrimonial: Nesta fase, todo o patrimônio da família é analisado e organizado.
2ª Fase – Planejamento sucessório: Nesta fase ocorre a doação – ou estruturação da sucessão quando do falecimento – dos bens aos herdeiros com os gravames de cláusulas de incomunicabilidade, impenhorabilidade, reversão e usufruto.
Diante da importância do planejamento patrimonial e sucessório para a prosperidade dos negócios familiares, torna-se imprescindível se manter atualizado acerca de todas as questões que o envolvem, especialmente de cunho tributário, dadas as recentes alterações do ITCMD – Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação, um dos principais impostos incidentes neste tipo de operação.
Alterações trazidas pela reforma tributária (EC 132/23):
Na 2ª fase do planejamento patrimonial e sucessório, para a manutenção dos bens da família em linha vertical (ascendentes e descendentes), comumente adota-se a estratégia de antecipar a sucessão do patrimônio, através da doação dos bens do titular aos seus herdeiros com os devidos gravames, conforme acima explicado.
Neste sentido, na esfera tributária, a transmissão de bens e direitos decorrente de falecimento ou doação configura o fato gerador do ITCMD de quaisquer bens ou direitos. Assim, ao receber bens ou direitos por herança ou doação, surge a obrigação de recolher o ITCMD ao fisco estadual competente.
Embora a previsão do imposto seja constitucional, os estados têm autonomia para legislar sobre sua base de cálculo, geralmente representada pelo valor dos bens herdados ou doados, e sobre a alíquota aplicável, desde que respeitado o limite máximo de 8%, conforme a resolução do Senado Federal 09/92.
Com a reforma tributária, implementada pela EC 132/23, foram introduzidas alterações importantes no ITCMD. A principal mudança, que terá grande impacto em estados como São Paulo, é a obrigatoriedade da progressividade da alíquota, observado o limite de 8%. A reforma tributária exige que estados que aplicavam alíquotas fixas, como São Paulo (4%), ajustem-se ao novo preceito constitucional.
Essa progressividade busca adequar a tributação à capacidade contributiva dos contribuintes, podendo resultar em aumento ou diminuição da carga tributária, conforme o valor do bem ou direito transmitido. Portanto, essas novas alíquotas precisam ser consideradas e estimadas no planejamento patrimonial e sucessório.
Outra mudança significativa é a alteração da competência para a cobrança do ITCMD sobre heranças. Antes, a competência era do Estado onde tramitava o inventário, exceto para bens imóveis, cuja competência era do estado onde se situavam. Com a reforma, a competência passa a ser do Estado onde o falecido era domiciliado, mantendo-se a regra para imóveis.
Por fim, a reforma tributária também incluiu a incidência do ITCMD sobre heranças e doações feitas no exterior, sem a necessidade de lei complementar, exigida anteriormente pelo STF. De acordo com as novas regras, se o doador for domiciliado ou residente no exterior, a competência para a cobrança do imposto será do estado onde o donatário reside. Caso o donatário também seja residente ou domiciliado no exterior, a competência será do estado onde o bem estiver localizado.
Em relação às heranças, a competência será do estado onde o de cujus era domiciliado ou, caso o falecido residisse no exterior, do estado onde o sucessor ou legatário estiver domiciliado.
Isto posto, cabe apresentar um resumo das alterações:
Progressividade da alíquota: A alíquota do ITCMD passa a ser progressiva, com limite máximo de 8%, afetando estados como São Paulo que utilizavam alíquotas fixas (atualmente 4%);
Competência para cobrança sobre heranças: A competência para cobrar o ITCMD agora é do estado onde o falecido (de cujus) era domiciliado, mantendo a regra de bens imóveis no estado onde estão localizados.
Incidência sobre heranças e doações no exterior: O ITCMD passa a incidir sobre heranças e doações no exterior, sem a necessidade de lei complementar, conforme novas regras de competência para doadores e donatários domiciliados fora do Brasil.
A progressividade do ITCMD no Estado de São Paulo:
Cabe ressaltar que já tramita na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo o PL 07/24, que propõe a instituição das alíquotas progressivas do ITCMD. O projeto prevê alíquotas de 2%, 4%, 6% e 8%, aplicáveis sobre faixas de valor estabelecidas para a base de cálculo.
A apuração será realizada por meio da decomposição do valor total dos bens e direitos em faixas específicas, com a aplicação de cada alíquota correspondente à sua respectiva faixa de valor. Veja abaixo a progressividade proposta:
Base de cálculo—————————————— ————————————-Alíquota
Até R$ 353.600,00 (10.000 UFESPs) ———————————————————2%
De R$ 353.600,01 (10.000 UFESPs) a R$ 3.005.600,00 (85.000 UFESPs)——–4%
De R$ 3.005.600,01 (85.000 UFESPs) a R$ 9.900.800,00 (280.000 UFESPs)—-6%
Acima de R$ 9.900.800,01 (280.000 UFESPs)———————————————-8%
Cumpre ressaltar, não foi prevista alteração referente às isenções disciplinadas no art. 6º da lei 10.705/00, levando a entender, portanto, que estas serão mantidas. Assim, para a aplicação do novo regime progressivo de alíquotas, que será obrigatório após a aprovação do PL 07/24, deverá ser observada a faixa de isenção, que atualmente, na doação, compreende o valor de até 2.500 UFESPs, correspondendo a R$88.400,00 para o ano de 2024.
O PL 07/24 segue em tramitação ordinária, com o seu último andamento registrado em 19/3/24, quando foi encaminhado à Comissão de Finanças, Orçamentos e Planejamento. Logo, não há previsão para a sua aprovação, podendo ocorrer ainda este ano, caso decidam tratar como urgência.
Todavia, as alíquotas já podem ser consideradas para o planejamento patrimonial e sucessório, de modo a decidir se é mais vantajoso correr e utilizar-se da legislação ainda vigente, que prevê uma alíquota fixa de 4%, ou aguardar a vigência do regime progressivo do ITCMD.
Considerações finais:
Diante das mudanças trazidas pela EC 132/23, o planejamento patrimonial e sucessório torna-se ainda mais relevante e necessário. As alterações no regime do ITCMD, como a progressividade das alíquotas e a nova competência para a cobrança sobre heranças e doações, por certo acarretarão adaptações nas estratégias utilizadas para garantir a proteção e a eficiência fiscal do patrimônio familiar.
A progressividade do ITCMD, especialmente no Estado de São Paulo, terá um impacto significativo, exigindo atenção redobrada no planejamento, principalmente para aqueles que lidam com patrimônios de maior valor. A possibilidade de aumento na carga tributária reforça a importância de analisar os cenários e considerar as novas alíquotas no momento de realizar ou revisar planejamentos.
Por fim, com a ampliação da competência para tributar heranças e doações do exterior, é essencial que as estratégias contemplem também situações envolvendo bens e pessoas domiciliadas fora do Brasil.
Diante desse novo panorama, manter-se atualizado sobre a evolução legislativa e adotar uma abordagem proativa no planejamento patrimonial e sucessório é fundamental para garantir a segurança e a preservação dos patrimônios envolvidos.
___________
1 BRASIL. Emenda Constitucional nº 132, de 29 de julho de 2009. Altera o Sistema Tributário Nacional. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc132.htm. Acesso em: 06 out. 2024.
2 JORNAL DA USP. Empresas familiares representam 90% dos empreendimentos no Brasil. Jornal da USP, 03 out. 2023. Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/atualidades-em-dia-com-o-direito-boletim-18-10-empresas-familiares-representam-90-dos-empreendimentos-no-brasil/. Acesso em: 06 out. 2024.
3 SÃO PAULO (Estado). Projeto de Lei nº 54, de 2024. Altera a Lei nº 10.705, de 28 de dezembro. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/spl/2024/02/Propositura/1000541335_1000681296_Propositura.pdf. Acesso em: 06 out. 2024.
FONTE: https://www.migalhas.com.br/depeso/417702/impacto-da-reforma-tributaria-no-planejamento-patrimonial-e-sucessorio